sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Casamento à vista

Quando casei, tudo era muito diferente. Tá certo que casei grávida. Naquela época, quanto antes acontecesse as núpcias, melhor. Mesmo que todos soubessem não ficava bem a barriga de grávida aparecer. O que não aconteceu com a minha. Conforme o ângulo, lá estávamos nós – a adolescente inconsequente e irresponsável e meu barrigão de cinco meses. Entre a descoberta do inesperado e o casório foram apenas três meses.
Passados quase 32 anos, minha barriga cresceu mais, nasceu, se criou e hoje está prestes a se casar. Minha filha se tornou uma bela mulher. E vai casar. Virei a mãe da noiva, a sogra. Como da primeira vez, foi sem querer e lá vou eu de novo, rumo à outra festa de casamento na família.
Desta vez, como deve ser. Assim espero.
Minha filha noivou há quase três anos. De lá pra cá, muito se falou sobre o grande dia. Já foi marcado, desmarcado e remarcado. Agora vai. Sem saída para as duas. Ela finalmente vai casar e eu enfrentar tudo o que envolve uma festa de casamento. Tenho uma certa aversão à festas. Talvez trauma seja a palavra mais adequada, afinal, nos meus quinze anos meu avô paterno estava em coma no hospital. Quando casei, duas horas antes de iniciar a cerimônia religiosa, meu avô materno (meu segundo pai) morreu de câncer. Nem preciso dizer que ao longo dos anos evitei casamentos. Comemoro meus aniversários de casamento com jantares intimistas ou viagens a dois.
O casamento da minha filha me coloca frente a frente com um assunto mal resolvido. Certamente com o passar dos anos, a lembrança do meu dia de festa de casamento suavizou, foi racionalizado e intelectualizado sem tristezas.
Acredito que meu avô cedeu seu lugar para meu marido. Acredito também que festa de casamento e casamento são coisas totalmente independentes. Apesar da minha festa de casamento dividir espaço, convidados e atenções com um funeral, meu casamento propriamente dito foi a maior festa. São 32 anos de parceria, altos e baixos, vacas gordas e magras, encontros e desencontros. No balanço, são anos de um casamento feliz e bem sucedido. Por conta disso - meu trauma com festas de casamento e minha concepção do que seja casamento – até tentei outra via: uma cerimônia intimista e uma bela lua de mel. Quase fui fulminada e deserdada com a proposta, tida como indecente e insensível.
Minha filha quer casar em grande estilo. Então mãos à obra!!!!!
Semana que vem ela aterrissa e faz conexão em São Paulo, depois, Rio Grande do Sul. Juntas.
Hora de dar corpo às reservas de igreja, cerimonial, recepção. Hora de definir flores, menu, arranjos, vinhos, docinhos, lista de convidados, convites, som, iluminação, violinos, vestido de noiva, buquê, velas, lembranças, lista de presentes, despedida de solteira, chá de panela ou lingerie........ A parafernália é enorme, assim como as opções. Existe uma indústria casamenteira que gira fábulas para realizar sonhos de noiva princesa.
Mas o que espero verdadeiramente é que a viagem a dois – que é o casamento – seja única, fenomenal, normal, e no somatório de tudo, traga felicidade, satisfação e realização aos noivos.
Quanto a mim – a mãe da noiva – desta vez espero curtir e fazer as pazes com festas. Diferentemente de quando casei, pretendo flutuar pela nave da igreja sem barrigão. Porque meu barrigão de hoje é fruto do pecado da gula. O outro barrigão era o fruto proibido do paraíso, e por isso, exibido com orgulho. Nada de pecados.
Para tanto já iniciei meus preparativos pessoais para o grande dia: dieta, academia e peeling. Vislumbres de uma lipoescultura, prótese ou plástica. São mais de dez anos amadurecendo estes radicalismos. Se não for agora, então, acho que nunca mais.
A ideia é ficar bem na foto. Se bem que me acho linda e plena com meu barrigão em minha festa de casamento e em todas as fotos daquela noite inesquecível. Espero que minha filha esteja assim em seu grande dia, afinal, experiência de entrar exibida e chamativa pela nave da igreja ela já tem.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Amigas de Infância

Em dezembro, cinco meses antes do meu aniversário, resolvi fazer uma festa para minhas amigas de infância. A ideia surgiu, quando às vésperas do Natal, encontrei casualmente uma amiga no cabeleireiro. Ambas queríamos estar lindas para o Papai Noel! Ela olhou para mim, e disse: “Susi, é tu?” “Sim, sou eu”. Claro que eu era eu, mas e quem era ela? Olhei-a com todo o cuidado e educadamente disse: “Não consigo me lembrar de onde te conheço”. “A Marilene! Lembra, fomos amigas na adolescência!” Céus! Há quanto tempo faz isso? Chegamos à conclusão de que não nos víamos há 27 anos. A última vez foi na festa do meu casamento. Em apenas cinco minutos colocamos em dia 27 anos de nossas vidas. Foi o tempo que restava para a tintura fazer efeito e cobrir nossos cabelos brancos. Saí do cabeleireiro felicíssima. Havia reencontrado uma amiga de um tempo maravilhoso de minha vida. E ela continuava linda e magra. Como é que eu não a tinha reconhecido? Também, depois de 27 anos, com os cabelos melecados de tintura, pedaços de papel alumínio envolvendo parte da cabeça, e vestindo um aventalzão(ou seria uma capa?) como eu poderia reconhecê-la? Milagre foi ela ter me reconhecido! Cheguei em casa radiante por ter reencontrado aquela amiga e em pouco tempo decidi fazer um encontro com amigas que não via há, bem, 30 anos. Todos em casa acharam a ideia muito boa, e meu marido disse todo sorridente: “Assim posso conferir se fiz a escolha certa”. Engraçadinho! Passados Natal, Ano Novo, Carnaval, achei que já poderia chamar minhas amigas à realidade, e no final de fevereiro nos encontramos. Passei algumas horas das minhas férias localizando-as, afinal, em trinta anos, eu tinha amiga morando até em Cascavel, no Paraná. O simples contato telefônico com todas elas por si só, já valeu a pena. Era ótimo ouvi-las, saber como estavam, e principalmente, perceber que todas também queriam se ver. Ainda éramos “a turma”. Cheguei a delirar quando ousei pensar que poderíamos criar um Orkut com a nossa turma. A nossa própria comunidade. Sim, porque quando eu pedia algumas informações do tipo, telefone, endereço, celular, e.mail, a resposta que mais ouvi foi: olha, liga para minha casa porque meu celular muitas vezes está sem bateria; ou, eu não escuto ele na bolsa; ou, quem mais usa o meu celular é a minha filha, então para não correr o risco de ficar sem o recado, é mais garantido ligar para o telefone residencial. Quanto ao e.mail não foi muito diferente. Pior até. Ou, eu não tenho e.mail próprio e não adianta mandar para o do meu filho que ele não vai me mostrar; ou, não sei mexer muito no micro, me atrapalho toda e tenho medo de estragar, então é melhor ligar aqui para casa; ou, não lembro qual é o meu “site”. Cheguei à conclusão de que a nossa não é, definitivamente, a geração da informática. Para não dizer que a decepção foi geral, das nove convidadas, duas sabiam usar bem o micro, o celular, a internet. Esses bichos modernos. Mas como eu também tenho minhas próprias pendengas com estas inovações tecnológicas, relevei e mantive meu ânimo. Uma semana antes do encontro, liguei para o telefone residencial de todas elas e falei com todas pessoalmente para confirmar que viriam. Nada de deixar recados com filhos adolescentes. A chance que temos de receber tais recados talvez, sendo bem otimista, chegue aos 50%. Crianças menores então, só lembram que “alguém ligou e queria falar com a mamãe”. Com o número de convidadas confirmado programei o que seria servido: torta de mousse, docinhos, salgadinhos, sorvete, frutas, chá gelado, refrigerante e espumante, para brindar ao encontro. Repensando o menu, na véspera, decidi reduzir o tamanho da torta, cortar os docinhos, aumentar a quantidade de frutas, priorizar os refrigerantes ligth e aumentar a quantidade de espumantes. Se todas estivessem como eu, estaríamos todas de olho na balança e um pilequezinho entre amigas, em pleno sábado à tarde, seria uma extravagância à altura dos nossos velhos e bons tempos. O tão esperado dia começou muito cedo. Na rodoviária. A primeira convidada passou a noite amassada num ônibus comum para não perder a oportunidade de rever a galera. A cena dela descendo os degraus do ônibus se mantêm viva em minha memória. Minha amiga estava linda. Nem parecia a menina magrela, sardenta, de cabelo ruivo encaracolado. Ela estava um mulherão. Aliás, no decorrer de todo o dia, vi que todas nos tornamos mulherões. Felizes, sorridentes com nossos filhos, companheiros, trabalhos, sonhos, projetos. Decepcionadas. Esperançosas. Com a vida vivida até então. Tudo devidamente documentado pelo fotógrafo da casa que não perdeu a oportunidade de se certificar quanto a escolha feita há tantos anos atrás. Foi o único da turma do Bolinha que compareceu ao encontro das Luluzinhas. O que as fotos revelaram foi 100% alegria, só sorrisos. Fizemos uma terapia grupal. Nos fizemos muito bem. Continuamos a nos fazer bem. E ficou uma certeza: mesmo tendo mudado fisicamente e tomado caminhos distintos, continuávamos as mesmas. Características de crianças e adolescentes mantiveram-se em cada uma de nós: a mais brincalhona, a mais reservada, a mais estabanada, a mais séria, a mais falante, a mais reclamona. As mais. Como naquela época mágica, a que brindamos alegremente naquela tarde, continuávamos as mesmas. Ainda éramos “a turma”. Decidimos não esperar mais tanto tempo para nos reencontrar. Sabe-se lá o que a vida nos reserva.

Quanto à conclusão de meu marido?

Ele preferiu não revelar. Sorte a dele.

Lajeado, abril de 2007

domingo, 25 de setembro de 2011

Meu estilo "scraper"


Faço scrap desde 2007. São quase quatro anos de experimentações, pesquisas, aprendizados e cursos. Aprendi várias técnicas, conheci muitas scrapers aprendizes como eu e muitas professoras criativas e entendidas. Minha paixão pelo scrap foi imediata e intensa. Assim como as paixões devem ser. Continuo apaixonada, mas tenho minhas fases ativas, reflexivas, inativas, embora esteja sempre antenada. Vários estímulos acionam meu lado scraper, e assim, vou recolhendo e guardando fitas, fios, etiquetas, botões, folders, ingressos, retalhos de papel e tecido, crachás e tudo que se pode imaginar que uma sucateira possa reutilizar. Às vezes me sinto a verdadeira Rainha da Sucata (e olha que já critiquei minha mãe por isso, e agora, estou infinitamente pior que ela.)


Descobri que tudo pode ficar perfeito se usado corretamente. A coisa certa, no lugar certo. Por isso, descarto pouca coisa. Mas tudo isso ocupa espaço e se perde se não for bem organizado. Tanto em Lajeado como em SP criei um atelier. Em SP mantenho todo meu material de scrap, organizado no armário do quarto de visitas. Tudo está separado em caixas, pastas, potes e gavetas. Esta obsessão pela ordem facilita na hora de criar e encontrar materiais a serem utilizados. Muitas vezes lembramos que temos determinado apetrecho, detalhe, papel e, por não encontrá-lo, perdemos um tempo precioso procurando-o.


Sempre que inicio um novo projeto, o primeiro passo é selecionar todas as fotos que serão impressas e defino tamanhos de impressão. Vou desde o 6x8, 10x15, 13x18m, 15x30. Vários outros tamanhos são selecionados, sem contar as fotos que recorto ou lixo. Sempre uso fotos opacas e sem bordas. Depois de prontas, verifico papeis e acessórios (adesivos, fitas, ilhoses). Prefiro os materiais de viagem, inclusive folhas e flores secas (hábito infantil de secá-las dentro de um livro), guardanapos de hotéis e restaurantes, porta copos, jornais, folders, ingressos e mapas. Lembranças, convites, cartões, cartas. Separo tudo e coloco em pasta ou plástico. Depois vejo que equipamentos vou utilizar. Minha máquina de costura Singer, minha Cricut Expression e minhas tesouras são fundamentais.


Diferentemente de muitas scrapers uso muitas fotos. Gosto dos designs limpos e contextualizados (daí a importância dos mapas, ingressos, passagens e roteiros). Aderi à agenda ou roteiro diário de viagem, ou ao “jornaling” que explica a página trabalhada. Gosto de pensar que se um dia ficar esclerosada ou, simplesmente esquecida, minha história de vida estará devidamente registrada nos álbuns de scrap, onde fotos, viagens e momentos marcantes estarão imortalizados.


Depois de tudo organizado, pensado e planejado é só dar asas à imaginação. Gosto de começar a trabalhar e só recolher todo material quando o trabalho está concluído. Como são muitos detalhes é fácil perdê-los durante a arrumação. Por isso, só começo a fazer scrap quando estou muito animada e com uma semana folgada para me dedicar por horas a fio. A arte de recorte e colagem pode ser mais demorada do que imaginamos. Uma vez demorei seis horas numa página. A culpa foi do bordado a mão.
O resultado é sempre único. Sempre melhor, e cada vez mais, abrindo espaço para novos projetos.

Adolescendo

O desenvolvimento humano passa por várias fases. Provavelmente, a adolescência seja a fase que mais incomoda e tumultua o relacionamento familiar. Quando pensamos em adolescentes, logo nos vem à mente a imagem de jovens imaturos rebeldes e bagunceiros que não sabem o que querem. De certa forma, eles são assim mesmo, como nós um dia fomos. A adolescência dos nossos filhos reaviva nossos medos, sonhos, planos e fase adolescente.
Este período é difícil tanto para filhos como para pais. Para os filhos a busca de uma identidade adulta, as transformações decorrentes da ativação dos hormônios sexuais (sem nada poder fazer para bloquear ou retardar estas mudanças), a vontade de namorar, de descobrir o outro, “de ficar”, a primeira relação sexual, “a transa”, as ideias revolucionárias e o desligamento da família em busca do seu grupo (“a turma, patota, tribo”) - importante por ser a referência do jovem, a certeza de estar com quem realmente o entende – além de escolhas e responsabilidades cada vez maiores (podem sentir-se pequenos demais para arcá-las ou grandes o suficiente para fazer qualquer coisa que gostariam de fazer). Para os pais a dificuldade de enxergar que o filho não é mais aquela criança que brinca de bola ou boneca, que obedece e atende a tudo prontamente. O filho quer ir na boate, sair com amigos, ser independente. Ele cresceu, engrossou a voz, colocou corpo de homem ou mulher. Quer ser e agir de um novo jeito. Ele mudou. Ainda não é adulto, nem mais criança. Ele está em processo: está adolescendo. Além de todas estas preocupações surgem outras. A violência, as drogas, o sexo, a AIDS, a escolha profissional e de parceiro........
É nesse momento que a família mostra sua importância. Proibir e privar o filho de ir a festas e se divertir, não impedirá que ele tenha acesso às drogas, ao sexo e à violência. Às vezes, é a proibição que aumenta a vontade de sair e fazer aquilo que os pais reprovam. Fazer oposição aos pais e revolucionar costumes e tradições familiares e sociais é uma das marcas adolescentes. É a busca do próprio EU, da própria identidade.
O que fazer então? DIÁLOGO, RESPEITO e ABERTURA. A abertura que os pais dão a seus filhos para todo e qualquer assunto, irá nortear o tipo de relacionamento entre ambos. Quando a abertura é condizente surge o diálogo e o respeito. A partir daí fica mais fácil o entendimento. Assuntos como drogas, sexo, AIDS, violência - sem dúvida, difíceis - são sempre necessários e urgentes. A quantidade de estímulos e informações que os jovens recebem o tempo todo e de todo lado, nem sempre são assimilados como deveriam. Por isso, a melhor maneira de ajudar nossos filhos a se tornarem adultos ajustados e responsáveis, é permitindo informação, experimentação, apoio, carinho e compreensão.

sábado, 24 de setembro de 2011

Porque sair de casa?

As novas gerações pouco brigaram com as gerações mais velhas. Pouco precisaram conquistar! Estão ganhando tudo de mão beijada. Com toda a liberdade e mordomias que têm na casa dos pais, por que sair de casa?
A pergunta é simples. A resposta mais complicada.
Porque nossos filhos devem sair de casa, quando é mais econômico, seguro e afetivamente mais tranquilo eles permanecerem em casa?
Antigamente, se é que se pode ir tão longe no tempo e no espaço, sair de casa era uma conquista. Com ela vinham outras: o primeiro emprego, a primeira casa (quem se importava em viver num muquifo sujo e desconfortável?), a liberdade de ir e vir sem explicações, as primeiras experiências sexuais. A vida nas próprias mãos. Com todas as mudanças sociais e culturais, estas não são mais conquistas. São garantias que muitos desfrutam sem qualquer esforço: o emprego é servir de motorista, de companhia ou de cola para o relacionamento conjugal. O que dizer sobre sexo e liberdade para ir e vir? Conforme a classe social ambos começam cedo demais, quando nem corpos nem cabeças estão prontos. Os pais não apenas permitem como estimulam.
Justificativas explicam o inexplicável.
A verdade é que mantemos nossos filhos infantilizados e agarrados a nós até não os aguentarmos mais. Permitimos a eles ficarem conosco, enquanto nos convém, enquanto não estamos prontos para jogá-los do ninho e lançá-los ao mundo. Temos medo da nossa cria. Estará ela pronta para os desafios da vida? Saberá sobreviver sozinha? Não suportamos a dor deles. E por não suportá-la os mantemos ligados a nós. Indefinidamente. Ou até não aguentarmos mais. E assim, covardemente, delegamos a eles o sofrimento do corte total do cordão umbilical. Porque esta necessidade um dia surgirá. Cedo ou tarde.
Para muitos o corte derradeiro acontecerá com a morte dos pais protetores (para qualquer um a morte é o corte definitivo),mas para alguns, pela primeira vez sozinhos em si mesmos, tornam-se duplamente desamparados, pois perdem ao mesmo tempo os pais e a vida vivida até então. E sobra a árdua tarefa de viver e sobreviver sob seu próprio sol, já que não poderão mais desfrutar da sombra fresca patrocinada pelos pais.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ordem/Desordem

Quinzena agitada, produtiva, cansativa.
Faxina e organização.
Pastas, arquivos, CDs e DVDs
Gavetas e prateleiras.
Caixas, bolsas e sacos.
O mundo num caos
À minha volta.
Mal necessário.

Apesar dos pesares
Apesar do tempo curto
Do excesso de tudo
Do corpo e alma doídos
Da casa abaixo.
Apesar do todo que me envolve
Que se entranha nos cantos
Nos desejos nos projetos.
Apesar de.

Anaïs Nin me embala sonolenta
Nem seu diário expurgado
Impressiona e espanta.
Minhas distrações e alienações
São mais fortes e impactantes.
Por ora.
Já quase terminando.
A ordem brilha
E convida a novas desordens.
Tão brilhantes quanto.

A escola como objeto simbólico

As escolas são instituições com “culturas próprias” e significados diferentes para diferentes alunos, pais e professores. Ela é “um lugar imaginário” muito além do espaço real de cadeiras, classes e salas. Ela é aquilo que o aluno percebe a partir de sua história, seus desejos e medos. É lá que acontece um interjogo de forças inconscientes, que se cruzam, se opõem, conflituam-se e se reforçam, através de situações manifestas, claras e evidentes, ou de forma oculta, latente, inconsciente e nem por isso, menos significativa. Cria-se assim, a dinâmica ou o comportamento grupal próprio. É a “IDENTIDADE ESCOLAR = IDENTIDADE FAMILIAR”. Algumas escolas têm seu processo educacional mais dirigido, com limites mais estreitos, ao contrário de outras, mais liberais e abertas. É a “FILOSOFIA ESCOLAR”. As escolas tem o que chamamos de “currículo manifesto” e “currículo oculto”, ou seja, aquilo que é manifestamente dito, escrito e realizado, e a verdadeira prática do cotidiano escolar e da sala de aula. A escola é constituída por pessoas – professores, diretores, funcionários, pais, alunos, entre outros - que lidam de maneiras diferentes com os mesmos fatos. Alguns lidam bem ou mal conforme as circunstâncias e/ou experiências pessoais. É importante tanto pais como professores saberem que dentro de uma visão psicodinâmica, os professores serão os recipientes de impulsos, ansiedades, fantasias, emoções, paixões, pensamentos, mais ou menos conscientes, que crianças e adolescentes têm em relação aos próprios pais. Amor e agressividade, originalmente dirigidos aos pais serão transferidos ou projetados nos professores. E não serão apenas os sentimentos agressivos que serão transferidos. Os amorosos também. Muitas dificuldades escolares se organizam em torno dessas projeções. Trabalhar com crianças e adolescentes desperta aspectos infantis e adolescentes nos adultos, podendo despertar nos professores sentimentos por determinado aluno, criança ou adolescente, evocando as próprias situações de vida nestas etapas do desenvolvimento, (suas memórias, fantasias, sentimentos infantis ou adolescentes), fazendo com que tenha maior dificuldade ou facilidade com determinado aluno do que com outro. Esta dificuldade/facilidade, pode não se repetir com outro professor, devido a suas próprias e diferentes experiências pessoais. A escola é o representante simbólico da família. É lá que a criança ou o adolescente reedita seu ciúme fraterno, compete, divide, rivaliza, oprime ou é oprimido (bulling). É lá que ele reproduz o sistema social e familiar em que vive. Muitas vezes, família e escola dissociam suas funções. É freqüente pais criticarem a escola projetando nela seus aspectos negativos e/ou fracassados do ensino-aprendizagem-conduta de seus filhos. A escola também dissocia, projetando na família suas incompetências, falta de colocação de limites, de participação, de aprovação (ferida narcisista do professor). A questão dos limites perpassa a família, a escola e a sociedade. Vivemos uma grande crise de limites em vários segmentos da vida humana. A visão espacial é considerar a escola como o meio do caminho entre a família e a sociedade: quase um espaço de transicionalidade (Winnicot): não é o conhecido e seguro espaço familiar, tampouco o tão sonhado e temido mundo adulto. Assim, a escola é o lugar em que crianças e adolescentes exercitam seus passos em direção à independência, à individuação e separação de seu grupo original, sua família. Ela também sofre pressões manifestas ou latentes, tanto por parte da família, da sociedade, de seus próprios integrantes, pois todos esperam que a escola cumpra com sua função educativa.

Necessidade ou desejo de mudança

Ao longo dos anos mudei muito. Mantive o essencial: o amor e a dedicação a minha família, meu casamento, meus princípios e valores. Mudei de cidade, de casa, de Estado, de país. Mudei de emprego, de local de trabalho e de função. Fui psicoterapeuta, psicóloga escolar, professora, palestrante, dinamizadora de grupos, perita, mediadora, escritora. Fiz parte de equipes multidisciplinares, ou, a própria equipe. Exerci funções diferentes dentro de minha profissão e em locais muito específicos. Prefeituras, escolas, salas de aula, consultórios particulares e em parceria, associações comunitárias, postos de saúde com grupos de mulheres, de gestantes, de pais, de jovens. Felizmente o trabalho em psicologia nos permite isso. Diria mais; nos exige isso! Pude ser uma psicóloga diferente diversificando minha função e trabalho. Estas mudanças sempre foram uma opção, um meio de conhecer o novo, o diferente, o outro. Tiveram seu preço e seu bônus. Certamente houveram mais bônus. Percebi o quanto nossas escolhas e decisões são questionadas, estimuladas ou desestimuladas, criticadas ou aplaudidas. Quando ousamos mudar, mexemos muito com as pessoas que nos cercam. Ao nos permitir explorar o novo, sair da mesmice, arriscar e acreditar no diferente tocamos nos medos e nos desejos dos outros. Vivemos uma busca interminável do melhor para nós e nossa família. Mas nem sempre - ou quase nunca – sabemos o que é o melhor. Entre permanecer no bom que se tem/é, ou arriscar buscar o melhor que poderíamos ter/ser, nem todos arriscamos. Incrível a capacidade humana em permanecer em verdadeiros infernos e guerras, usando as mais diferentes técnicas de administração do caos (como costumo dizer), pelo medo de tentar, de mudar e ser feliz. Pessoas se mantém em casamentos violentos sem amor sem carinho sem respeito sem prazer. Pessoas se mantém em empregos, vítimas de assédio moral, desvalorizadas no seu fazer e desrespeitadas no seu ser. Pessoas se mantêm em carreiras que lhes corrompem a alma, mantendo-se prisioneiras de um diploma ou de uma história familiar. Pessoas dormem e convivem com o inimigo diariamente. Pessoas adoecem física e emocionalmente insistindo em suas escolhas originais. Muitos tem medo de diversificar seus conhecimentos buscando novas áreas de atuação por recear a crítica e a opinião dos outros (como se os outros soubessem o que é o melhor para nós!!!!). Sempre acreditei que existem pessoas que mudam pelo prazer da mudança, e outras, porque não existe outra alternativa. Melhor fazer parte do primeiro grupo. Mudar depende de planejamento, uma cota de sacrifício, dedicação, apoio, fé na própria capacidade e coragem para ser feliz. O risco de não dar certo existe, assim como existe o risco de dar errado se permanecermos como estamos. Somos nós que escolhemos qual risco correr. No meu balanço de escolhas e mudanças, tanto profissionais como afetivas, sempre me permiti ousar, mudar e explorar coisas novas. Jamais me violentaria mantendo-me sufocada, aprisionada ou paralisada numa situação aparentemente segura.

O custo de tudo oriundo deste tipo de sacrifício é extratosférico e impagável.

Prefiro me arrepender por tentar e não conseguir.

Quando não dá certo, faz-se o caminho contrário. É fácil e conhecido.

(Los Canales, agosto de 2007)

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O novo velho ninho

A partir desta semana começo a incluir textos do meu primeiro esboço do livro "Um ninho pra chamar de seu". São crônicas escritas há anos, numa fase em que eu estava no auge do meu Ninho Vazio. Felizmente já superei o meu. Como decidi não publicar o livro, estou selecionando várias crônicas de que gosto muito. Vou postar também alguns textos técnicos, escritos ao longo dos últimos anos. Durante este mês estarei reformando totalmente meu blog, e na nova formatação estes textos fazem todo sentido. Na medida do possível vou produzindo material inédito. Aproveitem.

O novo velho ninho

Adorei a forma como a psicóloga Iara Camaratta Anton aborda a necessidade de se criar um novo ninho quando os filhos saem de casa, em seu livro “Homem e mulher – seus vínculos secretos”. Para ela, são necessárias novas aberturas, pois não existem mais espaços no velho ninho, tornando-se indispensáveis para nossa segurança e sobrevivência, assim como para o desenvolvimento e crescimento pessoais.
Quando meus filhos saíram de casa me dei conta que nosso velho ninho teria que ser mudado. Não pensei na troca de móveis ou reaproveitamento de espaços. Estas constantes mudanças sempre foram muito corriqueiras no espaço físico do nosso ninho.
Troca de funções, móveis ou adornos não preenchem este novo espaço vazio que se cria no universo familiar. Comecei a perceber o espaço emocional e afetivo que começava a se abrir e a se agigantar em meu universo.
Após anos atendendo e servindo os filhos desempenhando o papel de babá, motorista, professora, conselheira, cozinheira, faxineira, enfermeira, passamos de repente a ser apenas suas amigas, suas mães.
Abre-se uma brecha, uma cratera em nossas vidas e em nossas agendas.
Mesmo trabalhando em período integral, a mudança de compromissos e obrigações gerou um estranho sentimento de que estava fácil demais, tranqüilo demais, monótono demais.
Ter todo o tempo do mundo para suprir as próprias necessidades passou a ser inquietante. Poder ir ao supermercado sem pressa, porque ninguém está esperando para ser levado ao inglês ou à natação. Poder sair do trabalho sem se preocupar se tem pão em casa para o lanche. Poder acordar somente 30 minutos antes de ter que sair para o trabalho, sem se preocupar com o horário da escola, ou com o café da manhã dos filhos. Poder comprar e comer apenas aquilo que gosto, sem precisar levar uma montanha de guloseimas torturantes para casa. Poder andar somente de calcinha pela casa. Fazer topless na piscina de casa. Estes são apenas alguns dos pequenos luxos e prazeres sempre sonhados, e de repente, tão estranhos e sem sentido, quando nossos filhos se mandam e saem de nossas casas. Quando não de nossas vidas.
Todas sabemos que um dia isto vai acontecer, que criamos eles para o mundo. Mas quando eles se vão, vemos que não estávamos suficientemente preparadas. Cria-se um buraco em nossas vidas e em nossas rotinas.
Anos atrás uma amiga me contava orgulhosa sobre a compra de um filhote de labrador, e de todo o enxoval comprado para o canino, que incluía cama, travesseiro, cobertor e roupas!!! Referia-se ao filhote como se fosse seu novo filho, tamanho o cuidado e dengo a ele dispensado. Pensei que jamais chegaria a este ponto! Não que eu não goste de bichos, muito pelo contrário, adoro animais, mas cada um no seu canto. Na nossa casa, lugar de cachorro sempre foi do lado de fora.
De repente me vi olhando e pesquisando raças de cachorros ou gatos. Seria o gato Paco ou a cachorra Dakota. Começava a imaginar como seria meu novo companheiro me esperando sorridente e feliz quando chegasse à noite, me acompanhando pela casa toda, dormindo aos meus pés, assistindo televisão comigo.
Passado o primeiro momento, comecei a me deprimir com a idéia.
Sabia que esta não seria a solução para meu vazio.
Passei a mexer na casa. Entrei na fase de modernizar nosso espaço. Repaginar o jardim. Adotamos comida mais natural e vegetariana em casa. Comecei a fazer dança do ventre, sair com amigas, ir ao cinema.
Inventei. Experimentei coisas novas. Mas nada preencheu aquele espaço vazio.
Meu ninho não era mais o mesmo. Quanto mais mexia nele, mais deformado e esquisito ele ficava. Aquilo não se encaixava no meu universo afetivo.
Precisava aprender a ser uma mãe diferente num ninho diferente.
Ainda estou aprendendo, volta e meia dou uma derrapada braba, fico chateada comigo mesma, mas sei que neste novo processo, esses escorregões acontecem, fazem parte do processo.
Conviver com filhos independentes e auto-suficientes é fantástico, mas assustador ao mesmo tempo.
Ter uma vida pessoal independente e auto-suficiente é maravilhoso. Quando nos permitimos e podemos canalizar nosso afeto e energia para nós mesmas, para nosso casamento/relacionamento, para amigos e demais familiares, para projetos humanitários, descobrimos que podemos criar muitos novos filhos, que podemos ver nascer e crescer novos frutos e projetos em nossas vidas.
Independente de como são nossos filhos, são o nosso grande projeto de vida.
Mas não podem ser os únicos. Outros projetos precisam de nós.
Lajeado, fevereiro de 2007.

A importância dos modelos

Toda e qualquer família tem suas regras, políticas e padrões de funcionamento, que nem sempre são verbalizadas. Muitas vezes dizemos mais o silêncio do que com as palavras. Assim também, comportamentos, atitudes, valores, princípios e crenças transmitem melhor o que acreditamos formando a linguagem e/ou a comunicação familiar.
Quando vemos uma criança mentindo, batendo, falando palavrões - além das influências sociais que ela recebe através dos amigos, meios de comunicação e da sociedade em si - uma parte significativa destes comportamentos foi assimilada pela comunicação familiar, através dos modelos parentais.
Pais (entenda-se pai e/ou mãe) servem de modelos a seus filhos pela vida toda. Aquilo que dizem e fazem soa como o correto, como lei. Então, quando estes usam de violência para mostrar autoridade e poder, demonstram que a violência é legítima. Perpetuam assim, a violência através da comunicação familiar. Outros comportamentos, atitudes e crenças são transmitidos desta forma: racismo, mentiras, palavrões, desrespeito ao próximo, suborno, ressentimentos, etc.
Naturalmente, é desta forma que também transmitimos valores e comportamentos positivos: honestidade, generosidade, perdão, trabalho, amizade, gosto pela leitura, etc.
“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não funciona. A ação é mais verdadeira que o discurso.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Peeling

A primeira vez que fiz fazem cinco anos. Na época entrei de gaiata na intervenção. Em fevereiro daquele ano, numa consulta de revisão com minha dermato, ela sugeriu que eu fizesse o procedimento naquele inverno para homogeneizar minha pele e eliminar algumas manchas de sol. Marquei sem questionar ou entrar em detalhes. Julho chegou e quando vi estava no consultório da médica para fazer meu procedimento, na última semana antes de me mudar para a Venezuela. Também minha última semana como terapeuta de vários pacientes. Assim que entrei na sala recebi um termo de autorização e orientações caso alguma herpes se manifestasse. “Oh-oh”. Pensei. O que é mesmo que vou fazer? Minha médica explicou sobre a queima da pele por ácidos e depois o renascimento de uma pele de “bundinha de bebê”. Vamos lá. Assinei a autorização confiante em seu bom senso e profissionalismo. O procedimento iniciou e senti meu rosto em brasa. Foi a sensação no restante daquele dia. No outro dia a ardência permanecia. Liguei. “É assim mesmo”, me responde a secretária. Mais um dia e amanheço com o rosto repuxado liso, brilhoso, inchado e quente com dificuldade para abrir a boca e falar. Ligo novamente. “É assim mesmo.” Na terceira manhã amanheço com a pele marrom igual a leitão à pururuca. Fico horrorizada e ligo novamente. “É assim mesmo. E amanhã possivelmente quando acordares seu rosto vai estar craquelado e sua pele vai começar a descascar. Serão alguns dias até sua pele normalizar. Não se preocupe, é assim mesmo.” “Algo mais vai acontecer?” “Teoricamente não, mas qualquer coisa você liga”. Dito e feito. Na manhã seguinte amanheci com a aparência da Múmia, com mais de 3000 anos de idade. “É assim mesmo” pensei, resignada. Onde é que eu estava com a cabeça quando topei fazer este tal de peeling? Sequer podia remarcar meus pacientes e cada um que chegava era recepcionado com um “Não se assuste. Fiz um peeling. E é assim mesmo.” Como a grande maioria dos meus pacientes era mulher, a conversa sobre o dito cujo prosseguia ainda alguns longos minutos. A semana passou, eu sobrevivi, minha pele descascou inteirinha e fiquei com a pele de bundinha de bebê. Passados cinco anos, remarquei o procedimento que faz parte dos meus preparativos para o casamento de minha filha, em março de 2012. Hoje acordei com a pele descascando. Ainda bem que sei, porque é assim mesmo.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Aeroporto

Bicho papão que virou gatinho. Frequentadora assídua da ponte aérea São Paulo/Lajeado, estou cada vez mais familiarizada com procedimentos, horários, pesos, bagagens, excessos e preços. Programo horário de voo com folga para táxi e ônibus. Procuro chegar antes de uma hora do embarque. Normalmente as filas no “check in” são enormes e odiaria perder o avião esquecida na fila ou tendo feito cera em casa para chegar no horário previsto. Atualmente insuficiente. Em dia de viagem, como já me conheço, finalizo bagagens e reviso “algumas vezes” cafeteira, fogão, janelas, portas, luzes, água. Coisa de neurótica. Sei. Tudo devidamente checado e rechecado chamo o táxi e me vou. Conforme o horário, consigo antecipar meu voo. Meu maior stress são as malas. Como vivo levando e trazendo tralhas, de lá pra cá, de cá pra lá, costumo carregar os 23 Kg permitidos. Sempre. Mesmo num simples fim de semana. Tem sido rotina retirar malas detonadas da esteira que nem me estresso mais em reclamar e pedir indenização. Estou pensando seriamente em mudar minha atitude, já que a empresa aérea não melhora o serviço. Vou estressá-los também. Por ora, espero que a etiqueta FRÁGIL, colada nas laterais, a proteja do descuido e brutalidade dos carregadores e descarregadores. O sótão em Lajeado virou um cemitério de malas inutilizadas transformadas em caixas sem rodas, alças ou fechos. Decoração de Natal, Páscoa, textos, brinquedos empilham-se cada vez mais folgados nos meus armários voadores vermelho, preto, rosa, marrom, verde, cinza, bege. Tenho pensado seriamente em adotar uma mochila e carregar o estritamente necessário. Comigo e dentro do avião. Em total segurança. Nada de livros lidos, roupas usadas, material de scrap, erva-mate, conservas de pepinos, cucas, geleias, aspargos, shitakes. Caso a mala não aguente mais esta viagem, vislumbro esta possibilidade. O que foi, foi. O que ficou, ficou. Daqui pra frente só eu e o estritamente necessário.

PS: A mala chegou inteira mas sofrida. E retorna comigo a São Paulo. Cheinha!!!!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Preguiça reparadora

Sete de setembro. Dia da independência, pois, feriado nacional. Planejei não deixar só e acabei comigo mesma nesta quinta-feira morna e preguiçosa. Minha essência não reclamou. Precisava deste tempo pra recuperar do agito, da dor, das horas e das palavras. O silêncio acalma. A preguiça recupera. Amanhã meu estoque de energia estará no nível. Ontem já sentia a exaustão integral se apoderar de cada célula e pensamento. Hoje, pantufa no pé, pijama de pelúcia, rosto lavado e limpo, cabelo solto e nada pra fazer. Cochilos, leituras, escritas. Um filminho talvez. A velocidade média no apartamento é arrastada. A noite foi de sono doído e entrecortado. O dia promete recuperar e abastecer. Uma simples preguiça? Alguns pensam em virose, outros numa gripinha chegando, stress e esgotamento para outros. De tempos em tempos, temos dias assim. Que bom quando coincide com feriado ou fim de semana. Anos atrás li o livro da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés “Mulheres que correm com lobos” e encontrei um sentido ancestral, selvagem e muito natural para estes dias. Segundo ela, a palavra “alone” (só em inglês) antigamente era escrita em duas palavras “all one”, e significava estar inteiramente em si, em sua unidade. Simplificamos e abreviamos a palavra e por tabela, perdemos seu significado. Então, diferentemente do que pensamos, estes dias de solidão voluntária, ensimesmamento e preguiça, não são ausência de energia ou ação. Estar só, quieto ou parado é uma forma preventiva e paliativa que ajuda a curar a fadiga e prevenir o cansaço - certamente, meu dia era ontem. Em unidade, deveríamos ouvir nossas próprias necessidades, orientação e conselhos interiores, coisas que dificilmente conseguimos em meio a tantos estímulos, responsabilidades, atividades, compromissos e burburinhos do nosso dia-a-dia. No entanto, quando ficamos assim, nos sentimos doentes ou em vias de. Nem suspeitamos que nosso corpo iniciou seu processo de autocura e regeneração. Aprendi a respeitar e me permitir esses dias. Amanhã estarei inteira.

Terceira semana

UFA. Apesar dos pesares, continuo firme. Dos 11 dias úteis faltei a apenas um. Já não me sinto mais uma completa estranha no ninho. Ao chegar, a recepcionista me surpreende com um “Bom dia Suzete. Tenha uma boa aula.” E na saída escuto uma convencido “Até amanhã”. Ela parece acreditar no meu retorno e isso tem um estranho poder sobre mim. Me compromete. A terceira semana inaugura a primeira sem entrevistas e testes. Meus programas estão definidos, minhas aulas também. A aula de “Localizada” é uma das eleitas. Segundas e sextas-feiras às 10 horas. A surpresa se deu pela troca do professor. Juno saiu do turno da manhã. O novo professor, de nome comum e deletado, é todo sorrisos. Pegamos pesos para braços e pernas. Continuo com os pesos mínimos. 500 gramas para braços e os azuis para as pernas (possivelmente 500 gramas também). Diferentemente da maioria naquela sala, computo meu próprio peso extra no somatório total. Professor diferente é igual a aula diferente. Certo? Certíssimo!!!!!!!! Resumindo o show, sinto-me um guindaste enferrujado numa repetição extenuante de levantamento de pesos. Mas não sou a única. Na turma dos fundos – que é onde fico, por não servir de modelo pra ninguém – pernas, braços e pesos descambam e jazem fora do ritmo e sequência. Esparramam-se vencidos sobre o tapete azul da academia. Músculos novos foram descobertos e não gostaram de aparecer assim, de supetão e aos gritos de “Vamos lá meninas, tá doendo?” Sáááaáááádico. Termina a aula e somos um só grupo. Abatido e abalado. Me arrasto até a esteira. Programa A1. Quatro minutos na velocidade cinco intercalados por dois minutos na velocidade sete. Quarenta minutos sentindo as coxas inchando e desinchando. Pra finalizar, trinta minutos de “Alongamento”. Na saída “Até amanhã”. Penso “Assim espero”. Até amanhã.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Comer, rezar, amar"

Livro ou filme. Já li e vi duas vezes. A melhor foi a primeira vez que li. Livro indicado para várias amigas e pacientes por retratar muito bem o funcionamento feminino frente a crises. Fiquei encantada com a coragem e o desprendimento com que Elizabeth Gilbert relata sua experiência sabática na Itália, India e Bali. Deu vontade de fazer o mesmo, pois na época, vivia meu próprio período sabático. Um deles. O livro é recheado de reflexões, experiências e sacadas inteligentes e escrito com uma simplicidade cativante. No cinema Julia Roberts e Javier Bardem interpretam Liz e Felipe, seu amor gaúcho/brasileiro encontrado em Bali. O filme chega a ser monótono e, como acontece muitas vezes, deixa a desejar para quem leu o livro. Dela li também o livro “Comprometida” em que Elizabeth fala de seu casamento com Felipe e faz um apanhado da história e dos costumes ao redor do planeta no que se refere à instituição matrimonial.

domingo, 4 de setembro de 2011

Um dilema sem Abstrações

Desafio da quinzena na Escrita criativa. Falar sobre crise, dilema, conflito sem usar expressões abstratas.

“Pois é, estou com a cabeça cheia de caraminholas. A vida toda disse aos quatro ventos que era terminantemente contra a retaliação do corpo. O que pra mim é a mesma coisa que me transformar em outra pessoa.
“Mas você vai fazer mesmo?”
“Vou. Pela primeira vez é como olhar para o céu à noite e ver as estrelas e a lua.”
“Então vai em frente!”
“Mas, como vou olhar para quem me conhece e sabe da minha história e do meu discurso?”
“As pessoas ficam diferentes com a idade. Porque você não pode ficar?”
“É que parece ser pra pior.”
“Não vejo porque. Você vai ficar um mulherão. Quem não quer isso?”
“Odeio mulherões. Peito, bunda, coxas. Pose e cabeça cheia de miudezas. Isso não sou eu.”
“Então porque você vai fazer?”
“Está mais do que na hora. Musculação, ioga, caminhadas, dieta, shakes, drenagem linfática, tudo que já fiz não está resolvendo. Continuo uma broaca horrorosa que ninguém quer.”
“Mas você é um anjo.”
“As pessoas, as empresas, todos preferem mulheres magras e bonitas. É a moda. Quem se importa com o que tem dentro da cabeça ou do coração?”
“Não é bem assim. Sua família, seus amigos te veem como uma pessoa 10.”
“Obrigada. Mas já estou com 40 anos, sem trabalho fixo, sem namorado, sem amanhã.”
“E você acha que recortando o corpo vai ficar diferente?”
“E porque não? Há anos que espero acontecer e não acontece verão. É sempre inverno. Quero calor e gente, quero corpo e cabeça. ”
“Já marcou a data?”
“Já.”
“Quando?”
“Hoje à tarde. Preciso de um responsável que fique comigo no hospital. Você pode?”
“Você quer?”
“Tenho que querer.”
“Não, você não tem que querer. Tem que querer ser você como é.”
“Não me quero mais assim e não coloca mais caraminholas na minha cabeça. Você pode ou não pode ir comigo?”
“Vou perguntar de novo. É o que você quer?”
“ “.
“É o que você quer?”
“ “.
“É. Venha logo e fica com a boca fechada até amanhã.”
“Combinado.”

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Briga silenciosa

Crise corporal existe?
Desconfio que sim.
Corpo teimoso, birrento e rebelde
Esse meu.
Parece gostar de si
Assim mesmo.
Fofinho, robusto, enferrujado.
Uma linha reta sem curvas
Apenas ondulações.
Ele se gosta e se basta
Não tem pretensões de mudar.

Uma guerra silenciosa.
Eu, minha dieta e minha academia.
Alimentação e exercícios físicos
Munição básica.
Ele e sua teimosia e golpes baixos.
TPM, desânimo, sono, fissura por doce,
preguiça, dor, enxaqueca, pressão baixa.
Minando minhas resistências e trincheiras
Ao longo das horas e dos dias
Como dor de dente.
Tem certeza da vitória.
Vencedor a vida toda, nem desconfia
Do tiro no pé que é essa sua
mania teimosa.

Tô de olho nele e em suas artimanhas.
Conheço sua força e determinação.
Decidi ir por bocados
Caminhadas, ioga, alongamentos, dança do ventre
Até ontem, mansinha e compreensiva.
Hoje engatilhei o Leg Extension e o Leg Press,
Abdução e Adução dos quadris,
Depois saquei da Flexão Plantar e dos joelhos
Com uma Seated Leg Curl
Finalizei com o Abdominal Crunch.
Duas saraivadas completas
Quinze lances com pesos variados.
Ele ficou quietinho
Só me observando.

Pela primeira vez vejo indecisão
Em sua atitude obediente
Possivelmente durante a noite
Ele planeje a retaliação, a vingança.
Dores, distensões e outros truques sujos.
Ele que se engrace. Estou de olho nele.
Ele nem desconfia do que sou capaz.