terça-feira, 29 de março de 2011

Os pontos Y

Muitas pessoas tem me pedido sobre meu livro "Um ninho para chamar de seu". Ele continua engavetado. Ainda não sei ao certo quando estará pronto para ser editado. Ou melhor, pronto ele já está, talvez lhe falte maturidade. Talvez precise de mais tempo para dar conta daquilo que se propõe: abordar a meia idade.
Estas primeiras crônicas tornaram-se pessoais demais. Preferi deixá-las de molho, apurando o gosto e engrossando o caldo no meu computador e em mim mesma. Concluí que ainda sou uma novata inexperiente para falar sobre um tema tão intenso e profundo como o ninho vazio. Recém estou engatinhando num terreno em que muitas já correm maratonas ou o triatlo. São doutoras e PhDs em ninho vazio. Com o passar do tempo, estas impressões amadurecerão assim como minha própria vivência. Sei que ainda não tenho cacife para ser uma maratonista, nem uma tri-atleta. Mas sinto que já não faço mais tão feio, não faço mais parte da galera do fundão, dos últimos a chegar. Se bem que às vezes, ou melhor, muitas vezes, é esta a sensação que tenho. São tantas novas vivências, experiências e sentimentos que me sinto atropelada e massacrada nas últimas fileiras desta corrida, que é a vida.
Mas resolvi dividir uma crônica do livro com vocês. Espero que gostem.
PS: Ela é longa, profunda e complexa, e acreditem, vale a pena lê-la



Os pontos Y

Acredito que na vida existam muitos pontos Y.
(Diferentemente do ponto G, que ainda não encontrei. Também não conheço ninguém que tenha encontrado).
Se traçarmos uma linha indicativa de nossa vida e nela colocarmos pontos marcantes poderemos entender a definição daquilo que entendo por ponto Y. São aqueles pontos, aqueles momentos em que chegamos a uma encruzilhada: podemos ir pela direita ou pela esquerda.
É quando fazer ou não fazer faz toda a diferença.
Todos passamos por estes pontos em nossa trajetória de vida. Querendo ou não!
Mesmo decidindo não fazer nada, o não fazer já é uma decisão: Quando escolhemos casar ou não, ter filhos ou não, aceitar determinado emprego ou não, exercer determinada profissão ou não, se mudamos de casa ou não, se nos divorciamos ou não, se seguimos o que o médico disse ou não, se pedimos demissão ou não. São decisões de pontos Y. Podem fazer toda diferença nos rumos de nossa história pessoal.
Às vezes não sabemos qual direção seguir. Deixamos que alguém faça a escolha por nós ou deixamos a vida nos levar. É como se soltar na correnteza do rio. Ela nos levará para onde quiser, não necessariamente para o melhor lugar. Por isso, existem decisões que podemos deixar a correnteza levar, outras não.
Assim quando olhamos para trás, veremos que nossa vida está marcada por muitos pontos Y. São pontos de decisão. Cada um tem seus próprios pontos pelo caminho. Talvez se tivessem feito escolhas contrárias das que fizeram, a vida seria muito diferente agora.
Possivelmente. Não necessariamente.
Ao longo dos anos em que trabalhei como terapeuta, tentava descobrir, em conjunto com meus pacientes, o padrão de funcionamento de cada um. Este saber é fundamental para nossa vida, porque quando conheço meu padrão de funcionamento, consigo prever o tipo de decisões que possivelmente vou tomar ao longo da vida. Consigo antecipar a direção a ser tomada. Quando me conheço sei como costumo decidir e agir.
Se sou audacioso, se gosto de mudanças radicais, se sou cauteloso, temeroso, se sou acomodado, irresponsável do tipo “depois vejo o que fazer”.
Nossas escolhas não acontecem por acaso, acontecem por padrão. Muitas vezes são padrões de repetição.
Insistimos em nos repetir. Inclusive nos erros.
Mas nem sempre nosso padrão de funcionamento é o responsável pelos nossos sucessos e nossos fracassos. Afinal, nem sempre estamos prontos na hora certa e no lugar certo. É importante nos darmos conta disso.
Na meia-idade temos muitos pontos Y, e é quando costumamos olhar para nossa linha da vida, localizar nossos pontos Y e avaliá-los. Será que fizemos as escolhas certas? O que poderíamos ter feito de diferente ou o que fazer agora para mudar?
É neste momento que nos deparamos com muitas esquisitices, com muitas guinadas acertadas e com muitos desastres pessoais.
Muitos tentam ir do 8 para o 80. Fazer tudo o que ainda não tiveram coragem de fazer. Trocar a água pelo vinho.
Muitos acertam, outros tantos erram.
Não existe um parâmetro seguro e confiável a ser seguido.
Vi pessoas mudando o que estava bom e mantendo o que deveria ser mudado. Vi pessoas renascendo, escolhendo coisas que pela primeira vez na vida se permitiram viver e ter.
Vi pessoas saírem de tempestades para uma vida ensolarada, e outras entrando em tornados e saírem destroçadas, sem nada. Apenas pela experiência de passar pelo turbilhão e ver de dentro no que podemos transformar nossas vidas.
Vale o risco? Penso que vale!
Olhando para trás, vejo que houve decisões para as quais eu não estava pronta. Deixei rolar ou deixei que decidissem por mim.
Aprendi a duras penas que pode ser muito custoso. Quando finalmente estava pronta para decidir, tinha que correr atrás, e fazer um re-trabalho. O que nem sempre é possível, pois nem sempre existe uma segunda chance.
Assim como nem sempre estamos prontos para as situações que a vida nos apresenta.
No decorrer da vida aprendi que têm coisas que precisam ser decididas para ontem, outras para hoje e outras para amanhã.
As mais difíceis são para ontem, são as emergências. O risco de nos enganarmos é alto. Para estas, além da experiência, o sexto sentido e a intuição podem ser muito úteis. Ouvir o que vem de dentro, o que vem da alma, o que vem de não sei onde, mas sei que vem. A margem de erro cai sensivelmente.
As decisões para hoje costumam exigir prática e objetividade. A falta de um tempo mais longo para pensar nos obriga a decidir com maior precisão e rapidez. Muitas vezes pensamos que se tivéssemos mais tempo faríamos diferente. Talvez não tão diferente, mas diferente.
E as decisões para amanhã, nos dão o tempo necessário para a reflexão. Parecem ser as mais fáceis, mas não são. Perdemos tempo, desviamos da meta, perdemos o foco e, muitas vezes, por pensar demais, passamos do ponto.
Sinceramente não sei qual delas prefiro. Já me enganei em todas e já acertei em todas.
Pelo que vivi, a vida sempre nos leva a um novo ponto Y, a uma nova chance, a uma nova decisão.
Pode ser por padrão de repetição, pode ser por ousadia.
Mas que seja por escolha nossa.
Los Canales, outubro de 2006.

Um comentário:

  1. Lembro dessa cronica! Muito boa! E nao vejo a hora desse ser publicado tambem! bj Mae

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