segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Uma mistura de sentimentos.

Este é meu primeiro conto da fase intermediária do meu curso de escrita criativa. A proposta não foi minha, mas da profe Noemi. Vivendo em São Paulo onde congestionamentos e stress no trânsito são frequentes e diários, pensei em ambientar os sentimentos de um assassino minutos antes de cometer o assassinato, nesta panaceia. Porque dias de fúria todos temos, descompensações e desejos idem.

Uma mistura de sentimentos. Julia estava felicíssima por finalmente ter ganho seu tão desejado carro e ao mesmo tempo, furiosa demais por que mais uma vez, seu ilustríssimo marido, conseguiu arrumar um imprevisto e não pode acompanhá-la para retirar seu tão sonhado carro. Importado, vermelho, acabamento manual no volante e nos bancos de couro. Demorou 20 longos e sacrificados anos, mas enfim, seu marido muquirana reconheceu seu valor. Feliz da vida e perdida em pensamentos, Júlia simplesmente mudou de faixa e fechou o camionetão, que freou bruscamente cantando os quatro pneus. “OPS”. Júlia acariciou o volante imaginando a tragédia que poderia ter acontecido. Olhou para trás pensando em fazer sinal para se desculpar e agradecer, mas o que viu foi o camionetão colado em sua traseira, fazendo sinal de luz e buzinando alucinadamente. “Será que o cara ficou brabinho?” Deu a seta tentando sair da avenida movimentada e se afastar do mau humorado e impaciente motorista. Surpresa, viu que o dito cujo teve a mesma ideia e antes de pensar em qualquer coisa viu-se fechada pelo camionetão, que além de cortar-lhe a frente, freou de forma tão assassina que ela simplesmente, mergulhou embaixo daquele monstrengo. Saiu estupefata do carro e viu seu presente - com menos de 20Km rodados - amassado como papel e sucateado como ferro velho. O homem que saiu de dentro daquela geringonça grandalhona estava colérico. “Sua baleia barbeira, o que é isso? Comprou a carteira? Além de me fechar conseguiu bater na minha traseira em menos de dez minutos!!!” O homem olhava e gritava um rosário de impropérios machistas, cercando-a como um felino raivoso, mas Julia, só tinha olhos para seu tão sonhado carro, imaginando a cara do marido quando soubesse de sua proeza. “Moço, eu não tive culpa. Acabei de sair da agência, nunca ando por estes lados, e quando troquei de faixa estava tão distraída e feliz! Não percebi que o senhor estava ao lado, tão pertinho de mim.” “Tenha dó né madame, acho bom a senhora chamar seu seguro ou seu marido. Se é que tem um.”. “Não assinei o seguro, meu marido é quem deveria ter assinado e saí da agência.............sem seguro. Céus, o Arnaldinho vai me matar”. “Ou eu se a senhora não assinar agora mesmo um cheque pra pagar a despesa.” “Como é que é?” “Isso mesmo. Pensa que sai por aí fazendo barbeiragem e fica por isso mesmo?” “Moço eu nunca bati....” “É, e esse carro metido a supositório na traseira da minha camionete é o quê?” “Foi o senhor que brecou deliberadamente para que eu batesse.” “Prova isso, sua barbeira mão de vaca”. E antes que Julia pudesse pensar no que dizer ou fazer, o homenzarrão circulou em volta do que restou do seu carro, dando chutes e pontapés na lataria antes acetinada, vermelha e brilhosa. “Nunca bateu, é? E esses amassados, o que são?” “Acho bom o senhor parar AGORA porque estou chamando o polícia.” “Ótimo. A senhora sabe que quem bate na traseira é sempre o culpado.” “Vamos ver.” “Ficou valente é? Se não sabia dirigir porque se meteu neste trânsito pesado?” Julia ficou muda, olhando seu presente destruído, o coração batendo na cabeça prestes a explodir e a lembrança de tudo que ouviria . Louca, gorda, barbeira, imprestável, burra. Arnaldinho tinha um jeito tão cruel de tratá-la e agora, AQUILO. Aquele homenzarrão troglodita passara a olhar para ela com um olhar zombeteiro. Assim como Arnaldinho fazia. E a polícia que não chegava. E quando chegasse, possivelmente olhando a cena, diria que era a culpada e junto com o homenzarrão e Arnaldinho diriam que era uma barbeira que deveria ter ficado em casa lavando panelas. “Como é que é? Vai chamar o seguro ou o marido?” Julia estava cega. O ódio circulava furiosamente por todo seu corpo. “No mínimo o maridão está muuuuuuito ocupado.” Julia olhou para o homenzarrão. Entre ele e o caminhão truck embalado – que se aproximava sinuosamente na pista ao lado - apenas alguns metros. Entre ela e ele alguns enfurecidos centímetros. Levantou os dois braços e empurrou o homenzarrão com tanta força e ódio, que era exatamente o que faria com Arnaldinho da próxima vez que surgisse algum imprevisto. Ouviu apenas o PLOFT. Sentou-se na calçada e esperou a polícia chegar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário